terça-feira, 26 de julho de 2011

As quadras dele (I)

Poema da minha bela, amada e musa inspiradora Florbela Espanca. As partes marcada são as partes que ela direcionou para mim ( rsrsrsrrs) brincadeirinha. Adoro como ela escreve e as sua palavras tocam profundo o meu coração, não se assustem se a maioria deles tiver morte pelo meio. É o tema que mais me atrai e as mais belas palavras são ditas pelo coração quando estamos em estado de melancolia profunda.

Andam sonhos cor do mar
Nas minhas quadras, imersos,
Se queres comigo sonhar,
Canta baixinho os meus versos.

Saudades e amarguras
Tenho eu todos os dias,
Não podem pois adejar
Em meus versos, alegria.



Saudades e amarguras
tenho eu todas as horas,
Quem noites só conheceu,
Não pode cantar auroras.



Se é um pecado sonhar
Tenho um pecado na vida,
Peço a Deus por tal pecado
A penitência merecida.



Quando o meu sonho morrer
(Que penitência tão dura!)
Vai encontrar em teu peito
Carinhosa sepultura.



Onde está ó meu amor ,
Que te não vejo apar'cer?
Para que quero eu os olhos
Se não servem pra te ver?


Que m'importa a luz suave
Dos olhos que o mundo tem?
Não posso ver os teus olhos
Não quero ver os de ninguém.


Tens um coração de pedra
Dentro dum peito de lama
Pois nem sabes distinguir
Quem te odeia ou quem te ama.



Por uma que te despreza
Teu coração endoidece;
E a pobre que te quer bem
Só teus desprezos merece!



Desde que o meu bem partiu
Parecem outras as cousas;
Até as pedras da rua
Têm aspectos de lousas!



Quando por acaso as piso,
Perturba-me um tal mistério! ..
Como se pisasse à noite
As pedras dum cemitério ..



Teus olhos tem a cor
De uma expressão tão divina
Tão misteriosa, tão triste
Como foi a minha sina.



É uma expressão de saudade
Vogando num mar incerto
Parecem negros de longe,
Parecem azuis de perto.



Mas nem negros nem azuis
São teus olhos, meu amor,
Seriam da dor da mágoa
Se a mágoa tivesse cor!



Nem o perfume dos cravos
Nem a cor das violetas,
Nem o brilho das estrelas,
Nem o sonhar dos poetas,



Pode igualar a beleza,
Da primorosa flor,
Que abre na tua boca
O teu riso encantador.



Levanta os olhos do chão,
Olha de frente pra mim
Fingindo tanto desprezo,
Que podes ganhar assim?



Não andes tão distraído,
Contando as pedras da rua,
Não sei pra que finges tanto ..
Tu és meu e eu sou tua ..



Levanta os olhos do chão,
Que podes ganhar assim?
Se Deus nos fez um para o outro,
Para que foges de mim?



Coveiros, sombrios, desgrenhados,
Fazei-me a cova depressa,
Quero enterrar minha dor
Quero enterrar-me assim nova.



Coveiros, só o corpo é novo,
Que há poucos anos nasceu;
Fazei-me depressa a cova
Que a minha alma morreu.



Amar a quem nos despreza
É sina que a gente tem
Eu desprezo que m'odeia
E adoro quem me quer bem.



Ai, tirem-me o coração
Que o tenho todo desfeito!
Cada pedaço um punhal
Que trago dentro do meu peito.



Eu quero viver contigo
Muito juntinho os dois
O tempo que dura um beijo,
Embora eu morra depois.



Meu coração é ruína
Caindo todo a pedaços,
Oh, dá-lhe a hera piedosa
Bendita desses teus braços!



Quando fito o teu olhar
Tão frio e tão indiferente
Fico a chorar um amor
Que o teu coração não sente



O fado não é da terra
O fado criou-o Deus
O fado é andar doidinha
Perdida p'los olhos teus.



Esmaguei meu coração
Para o triste te esquecer,
Mas ao sentir teus passos,
Põe-se a bater .. a bater ..



Andam pombas assustadas
No teu olhar, adejando,
Mal sentem os meus olhos,
Batem as asas, voando.



Há sonhos que ao enterrar-se
Levam dentro do caixão
Bocados da nossa alma,
Pedaços do coração!

Florbela Espanca

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